A recente decisão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trouxe um importante desdobramento para os consumidores que adquiriram imóveis no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação (SFH). Em um cenário onde muitos mutuários enfrentam atrasos na entrega de seus imóveis, o STJ determinou que a Caixa Econômica Federal (CEF) deve ressarcir em dobro os juros de obra cobrados dos adquirentes durante o período de atraso na entrega dos imóveis, mesmo na ausência de comprovação de má-fé na cobrança.
O contexto da decisão
A discussão se origina em uma ação civil pública que questionava a legitimidade da cobrança da Taxa de Evolução de Obra, também conhecida como juros de obra, pela CEF. Esses juros são aplicados sobre o valor do crédito destinado às incorporadoras para a construção dos empreendimentos. A polêmica se intensificou quando muitos mutuários começaram a questionar a cobrança dos juros durante os atrasos na entrega dos imóveis, que não eram atribuíveis a eles.
No julgamento, a 3ª Turma do STJ acolheu o recurso especial interposto pelo Ministério Público, que buscava a aplicação do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) ao caso, destacando que o ressarcimento deve ser feito independentemente da comprovação de má-fé. Essa mudança de entendimento é significativa, pois altera a posição anteriormente adotada pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que condicionava a devolução em dobro dos valores à demonstração da má-fé em cada caso concreto.

A fundamentação jurídica
A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, esclareceu que a devolução em dobro dos valores indevidamente cobrados é um direito do consumidor, sendo desnecessária a comprovação de má-fé por parte do fornecedor. Segundo o parágrafo único do artigo 42 do CDC, o consumidor tem o direito à devolução em dobro do que pagou a mais, salvo se o fornecedor comprovar sua boa-fé objetiva, o que é um ônus que recai sobre ele.
A decisão reflete a intenção do legislador em proteger os consumidores, garantindo que aqueles que se encontram em posição de vulnerabilidade nas relações de consumo não sejam prejudicados por cobranças indevidas. Além disso, a ministra ressaltou que essa interpretação deve ser aplicada em conformidade com a modulação dos efeitos já estabelecida pela Corte Especial do STJ, que determina que a regra se aplica apenas às cobranças realizadas após 30 de março de 2021.
Implicações da decisão
A condenação ao ressarcimento em dobro traz implicações importantes tanto para a CEF quanto para os consumidores. Para os mutuários, a decisão representa uma vitória significativa, uma vez que garante a possibilidade de recuperar valores que foram indevidamente cobrados durante um período de incertezas e frustrações relacionadas à entrega de seus imóveis. Por outro lado, a CEF, como agente financeiro do SFH, deve rever suas práticas de cobrança e garantir que suas ações estejam em conformidade com a legislação e as decisões judiciais.
Esse entendimento é crucial em um momento em que o mercado imobiliário enfrenta desafios e incertezas, particularmente em um cenário pós-pandemia. Os consumidores que adquiriram imóveis através do SFH devem estar cientes de seus direitos e da possibilidade de buscar a devolução de valores pagos indevidamente, especialmente se esses pagamentos ocorreram após a data estabelecida pelo STJ.

Considerações finais
A decisão do STJ sobre o ressarcimento em dobro dos juros de obra cobrados pela CEF no âmbito do SFH é um marco importante na defesa dos direitos do consumidor no Brasil. Ela reafirma o papel do CDC como uma ferramenta poderosa para proteger os consumidores contra práticas abusivas e garante que a vulnerabilidade dos adquirentes de imóveis seja reconhecida e respeitada.
À medida que as instituições financeiras se adaptam a esse novo entendimento, é fundamental que os consumidores permaneçam informados sobre seus direitos e busquem assessoria jurídica adequada, quando necessário. A advocacia especializada em empresas e a recuperação de crédito podem desempenhar um papel essencial, oferecendo consultoria jurídica e orientações sobre como proceder em caso de cobranças indevidas.