Com o avanço da digitalização no setor bancário, muitos contratos de empréstimo são firmados sem a necessidade de um documento físico assinado pelas partes. No entanto, essa modernização não isenta as instituições financeiras de suas obrigações legais em ações de cobrança, especialmente no que diz respeito à cobrança judicial e à comprovação de que os valores cobrados foram efetivamente recebidos pelo cliente.
A recente decisão da juíza Adriana Bertier Benedito, da 4ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, traz à tona a importância de fornecer provas documentais robustas em ações de recuperação de crédito, especialmente quando se trata da liberação e uso de créditos, como abordado no caso em questão.
O caso: cobrança de empréstimo bancário
O Banco ajuizou uma ação de cobrança contra o requerido alegando que o réu firmou um contrato de empréstimo no valor de R$ 62.187,63, a ser pago em 42 parcelas de R$ 3.365,21, com vencimento de 16 de dezembro de 2021 a 16 de maio de 2025. Segundo a instituição financeira, o requerido havia se tornado inadimplente, o que resultou na cobrança judicial de um montante atualizado de R$ 117.973,58, incluindo correção monetária e juros.
Entretanto, a defesa do requerido negou a contratação do empréstimo em questão e alegou a falta de documentos que comprovassem tanto a existência do contrato quanto a liberação dos valores supostamente devidos. A análise dos documentos apresentados revelou que o banco não conseguiu provar de maneira inequívoca a realização do contrato específico.

A necessidade de provas documentais
A decisão judicial centraliza-se na ausência de provas adequadas por parte da instituição financeira para fundamentar sua pretensão de cobrança. Embora contratos firmados por meios digitais não exijam necessariamente uma assinatura física, é imperativo que o banco consiga comprovar que os valores reclamados foram efetivamente transferidos ou utilizados pelo cliente. No caso concreto, os documentos apresentados pelo Banco não incluíam extratos bancários que comprovassem a liberação dos valores mencionados.
A juíza destacou que os contratos e documentos anexados aos autos pela instituição financeira não se referiam especificamente à obrigação que estava sendo cobrada. O banco trouxe à lide uma série de operações financeiras realizadas pelo requerido, mas nenhuma delas se referia ao empréstimo que estava sendo objeto da ação de cobrança. Essa desconexão entre os documentos apresentados e o valor exigido culminou na improcedência do pedido.
O princípio da prova em ações de cobrança
Essa decisão exemplifica a aplicação prática do princípio da necessidade de prova em processos civis, particularmente em ações de cobrança judicial de dívidas bancárias. A parte que busca o reconhecimento judicial de uma obrigação de pagamento precisa apresentar evidências claras e suficientes que comprovem a existência e a exigibilidade dessa dívida. No contexto de contratos bancários digitais, a exigência de provas torna-se ainda mais desafiadora, já que o processo contratual não envolve a troca de documentos físicos. No entanto, essa dificuldade não exime a instituição financeira da obrigação de demonstrar que o valor foi efetivamente creditado e utilizado pelo cliente.
A importância da transparência e clareza contratual
A decisão da juíza ressalta a importância da transparência e da clareza na contratação de serviços bancários, especialmente no contexto digital. A falta de documentos que comprovem a liberação de crédito não apenas prejudica o êxito de ações de cobrança, como também pode lançar dúvidas sobre a própria validade do contrato. Essa decisão serve como um alerta para as instituições financeiras sobre a necessidade de manter um registro claro e acessível de todas as operações realizadas.

Novas responsabilidades no ambiente digital
A modernização dos contratos bancários, embora traga inegáveis benefícios operacionais, impõe novas responsabilidades às instituições financeiras. O processo de digitalização demanda uma adaptação no que tange à forma de apresentação de provas documentais. Não basta apenas a existência de um contrato eletrônico; é fundamental que o banco possa comprovar que os valores acordados foram devidamente creditados na conta do cliente ou, ao menos, que este teve acesso ao crédito.
Conclusão
A decisão da juíza ilustra a relevância da comprovação documental em ações de cobrança bancária, especialmente em contratos firmados de maneira digital. Embora a tecnologia tenha eliminado a necessidade de documentos físicos em muitos casos, as instituições financeiras continuam obrigadas a demonstrar de maneira clara e inequívoca que os valores cobrados foram efetivamente creditados e utilizados pelos clientes.
Essa decisão serve como um lembrete de que a transparência e a documentação clara são essenciais para garantir a segurança jurídica tanto das instituições financeiras quanto dos consumidores. A ausência de provas adequadas pode resultar na improcedência da ação, na condenação da instituição ao pagamento de custas processuais e honorários, e na perda de credibilidade em suas práticas contratuais. Portanto, é imprescindível que os bancos adotem práticas rigorosas de documentação e arquivamento de seus contratos e transações financeiras, especialmente no ambiente digital.